Pais separados e os seus filhos, um olhar sistémico que apazigua!

Dizer que as relações humanas são complexas é por demais óbvio e quando um casal com filhos toma a decisão de se separar, eles terminam a sua relação amorosa, mas não terminam a relação enquanto pais dos seus filhos. Eles continuarão unidos pelo ato de amor que deu origem a uma nova vida. E quando entre o casal permanece uma situação de conflito e animosidade, os filhos ficam muitas vezes reféns deste conflito. Mas isto não é novidade, qualquer pessoa conhecerá certamente um casal separado em que por vezes a relação com os filhos também se revela difícil, seja com um ou com ambos os pais. Não precisamos de falar em situações extremas como casos de alienação parental, ou de utilização dos filhos como armas de arremesso.

Por vezes o ex-casal até pode conseguir manter um certo nível de cordialidade, e depois observar-se uma relação difícil e tensa entre pais e filhos.

E de onde pode vir esta dificuldade? O que é a que visão sistémica traz de novo a esta dinâmica familiar? E de que forma a consciência do equilíbrio sistémico pode apaziguar estes relacionamentos tensos?

O filho resulta do amor da mãe e do pai, e encerra em si a união entre a linhagem materna e a linhagem paterna. Biologicamente o filho é metade mãe e metade pai, epigeneticamente também resulta da união dos padrões familiares maternos e paternos, é metade memória celular de mãe e pai, é metade da história de cada um e dos seus ancestrais.

Acontece por vezes que, depois de uma separação que é sempre difícil, o pai fica com mágoa da mãe ou a mãe com mágoa do pai, fica entre eles ressentimento e até raiva ou ódio. Quando olham para o filho vêm a manifestação do que eles agora repudiam.

Atenção que este é um processo totalmente inconsciente, nunca é racional, cognitivo nem consciente. Por vezes no meio de uma discussão vem o remate “és tal e qual o teu pai” ou “és mesmo igual à tua mãe”, transmitindo essa repulsa inconsciente do que o filho representa. O pai ou mãe, prisioneiros das suas mágoas, projetam no filho a dor em relação ao outro progenitor, porque deixaram de se conseguir conectar com o amor que lhe deu origem.

Quando trabalhamos um sistema familiar trabalhamos essencialmente com o que são processos inconscientes que depois se manifestam em atos, comportamentos e na personalidade de cada membro da família. Um relacionamento difícil com um filho pode facilmente ser atribuído à personalidade deste, à idade ou o momento que atravessa… como é o caso de um adolescente que desafia a autoridade do pai ou da mãe. Mas a experiência com a terapia das constelações familiares vem nos demonstrar na prática em consultório que poucas vezes é esse o caso. Há quase sempre um movimento inconsciente que se sobrepõe.

Os sistemas tendem para o equilíbrio, sempre, é essa a Teoria Geral dos Sistemas.
Então se, com a separação do casal, o sistema entrou em desequilíbrio, se um ou ambos os membros do casal deixou de honrar o lugar que o outro teve e continuará a ter, se o casal deixar de reconhecer o Amor que já os uniu, o filho ficará “ao serviço” desse sistema, manifestando a dificuldade relacional até que o equilibro seja reposto.

Quem faz consultas ou formação comigo sabe que gosto muito de metáfora e analogias que ajudem as pessoas a compreender um determinado processo. Então, quando quero explicar como funciona este inconsciente familiar que parece “comandar” o comportamento dos seus membros, eu explico que o inconsciente familiar, o inconsciente deste sistema que deseja alcançar o equilíbrio é assim como um programa de computador a correr em paralelo, um sistema operativo que permite que os outros programas corram normalmente. Mas o sistema operativo, mesmo que não saibamos, está a sempre a cumprir a sua função e pode interferir com o normal funcionamento de outros programas, sem que nos apercebamos de que o problema não está no programa, mas sim na base do funcionamento do sistema.

O que aqui refiro é muito comum surgir em consulta ou numa sessão de grupo, um tema de relacionamento difícil com os filhos, e quando colocamos os representantes, percebemos que um dos pais, ou ambos, manifestam, rancor, mágoa ou repúdio perante o filho. Nesta situação, introduzimos o outro membro do casal e redirecionamos estes sentimentos para o foco devido. E depois, procuramos que o representante do pai e da mãe se conectem com o que os uniu, que se voltem a ligar ao Amor que já sentiram e à historia que os uniu… e quando isso acontece, então o filho passa a representar apenas o fluxo do Amor. A partir desse momento o filho é livre, pois já não tem de estar “ao serviço” da relação entre os pais, e pai e mãe são livres também para integrarem na sua dinâmica atual o que a relação teve de difícil, mas sem abdicar da conexão de Amor que os uniu.

Espero que esta visão ajude quem me lê a olhar para a dinâmica familiar de uma forma mais ampla e abrangente, em que todos os elementos se relacionam e são interdependentes. E se conhecer algum caso em que este processo possa ser particularmente útil, por favor partilhe!

Publicado por Liliana Ponces

Facilitadora de Constelações Familiares, Instrutora de Meditação para Crianças, Coach e Formadora

Deixe um comentário