Todas as famílias têm segredos, não conheci até hoje nenhuma exceção… Com as suas dinâmicas muito próprias, é comum encontrar no seio familiar e entre gerações, histórias mal contadas, pessoas de quem não se fala ou acontecimentos simplesmente apagados dos registos!
Somos todos seres emocionais e lidamos mal com sentimentos difíceis e por isso, por vezes, é mais fácil enterrar algo e fingir que nunca aconteceu, do que nos confrontarmos com a dor, a desilusão, a zanga ou a vergonha. Porque isso muitas vezes implicaria lidar também com a nossa autorresponsabilidade e porque nos obriga a confrontar crenças, valores e noções muito vincadas de errado ou certo, que não vemos compatibilizadas com as relações familiares.
E que segredos podem ser estes? Vou enumerar alguns e enquanto os fores lendo toma atenção a sinais que possam surgir no teu corpo, um aperto no peito ou na barriga, um eriçar dos pêlos, um arrepio na coluna ou um frio repentino… o teu corpo é um janela aberta para o inconsciente e ele está sempre à espera de uma oportunidade de se manifestar… e pode estar a dar-te uma pista do que, na tua família e em ti, precisa ser visto.
Filhos que não nasceram, abortados voluntaria ou naturalmente, crianças adotadas ou abandonadas, casos de traições, relações extraconjugais ou segundas famílias, casos de violência doméstica ou acontecimentos trágicos que trouxeram desgraça a alguém. As famílias também omitem pessoas excluídas pelo seu comportamento, uma tia-avó que largou o marido quando isso era impensável na sociedade, escondem um bisavô que era contrabandista ou alguém que foi preso por um crime grave. Ocultam histórias de guerra, de agressores e vítimas que ficam para sempre interligados, de sentimentos de culpa que nunca se apagam, escondem pais e filhos de costas voltadas… as famílias escondem o que lhes dói, o que lhe parece demais para ultrapassar. E acreditam que é dessa forma que se protegem e que se tornam mais unidas e coesas.
Mas os segredos têm a particularidade de não gostarem de estar escondidos, e nas famílias eles vão encontrar um caminho para serem vistos, reconhecidos e resolvidos… Bert Hellinger usa uma frase com a qual eu me conecto profundamente:
“os sofrimentos familiares são como elos de uma corrente, que se repetem de geração em geração, até que um descendente tome consciência e transforme a maldição em bênção.”
Bert Hellinger
Sabem aquela sensação de entrar numa sala em que o ambiente está tenso, mas nós não sabemos o que se lá passou? Não sabemos explicar, mas sentimos um desconforto e esse desconforto vai condicionar o nosso comportamento. Podemos ficar menos faladores, podemos nos ir sentar perto da pessoa que nos pareceu mais triste ou afastar-nos de alguém mais zangado ou de semblante carregado, mesmo sem nunca sabermos o que ali se passou. A partir daí criamos uma dinâmica com o grupo nessa sala e ao fim de um tempo não voltamos a pensar que fomos influenciados pelo ambiente que se sentia na sala, no dia em que lá chegámos pela primeira vez.
É o que acontece quando chega um novo elemento à família. A criança que nasce no seio de uma família tem uma perceção, obviamente inconsciente, das suas dinâmicas, daquilo que não é dito, daquilo que foi escondido… e a partir daí, ela vai crescer e desenvolver-se de acordo com o que “encontrou”, como se não fosse livre de, por si só, agir de outra forma. Esse condicionamento vai crescendo e pode gerar na vida adulta problemas nos relacionamentos, bloqueios e medos que a pessoa não consegue explicar. Como se a pessoa se sentisse “presa” a algo que não sabe o que é, mas que sabe que a condiciona.
E como não tem consciência não vê o que pode fazer de forma diferente.
Mas o que as pessoas vêm como bloqueios é o exatamente o que Bert Hellinger descreve como bênçãos. Porque o que é trazido à luz se desvanece, quem se predispõe a trabalhar um destes elos ocultos da sua história familiar, transforma a prisão em liberdade, para si e para as gerações futuras. E é essa força de ancestralidade e de perpetuidade que torna o trabalho com sistemas familiares tão profundamente gratificante!
Se algum trecho deste texto ecoou em ti, respira e reflete. Pode ter chegado até ti a consciência de algo que quer ser visto.